Caso Isabella: O bem há de vencer o mal
Quando pensávamos que o caso João Hélio, seria o fim da violência contra criança e o início da mudança no código penal brasileiro, mais uma monstruosidade iria abalar o país. Desta vez a vítima e seus algozes não eram de classes sociais oposta, não eram estranhos e, portanto indiferentes. Muito pior, a maldade e a perversidade dormiam juntas com uma vida inocente. Como entender a felicidade, um amor, uma vida ser literalmente jogada pela janela?
Mais um crime, uma barbaridade de classe média, onde teoricamente as pessoas são educadas, sensatas, saudáveis, harmônicas, enfim acima de qualquer suspeita. Será? Tão cruéis como os crimes de periferia, os crimes de classe média possuem um agravante incomensurável, pois não possuem causa aparente somente loucura ou vazio n'alma. Que carência habitava aquele suposto lar? Nada material certamente, porém talvez graves desvios de caráter, começando pela super proteção dos pais de Alexandre e Carolina Jatobá, que parecem se importar mais com suas possíveis condenações do que com a morte da própria neta/enteada. Uma frieza que gela qualquer espinha sã.
A mesma super proteção sem limites, vista em inúmeros crimes de classe média, aonde quase sempre vimos jovens com cara de santo ou frios mesmo, com "papaizinho" do lado, envolvidos em crimes brutais contra índios, empregada doméstica, garota de programa, homossexuais, mendigos, animais, velhos e crianças. Enfim vidas frágeis e indefesas. Quantos traumas potencializados por um vazio incomum que capacita pessoas aparentemente normais a cometerem atos insanos sem temer as conseqüências. Certeza da impunidade? Dificuldade em administrar conflitos? Dificuldade de ouvir o não? Medo do real? Falta de autocontrole?
Sim, tudo isso e muito mais, pois veremos ao final desse pesadelo que a motivação de toda essa tragédia é o nada, o destemperamento, a banalidade, o ciúme do irreal e o descontrole passional. Parafraseando Arnaldo Jabor em um de seus artigos sobre o caso, ele diz que a tragédia não é só das vítimas, mas nós também sofremos para entender o mal incompreensível. Cresce aos poucos uma pele de rinoceronte em nossa alma; com o coração mais duro, ficamos mais cínicos, mais passivos diante da crueldade. Como escreveu Oswaldo Giacoia Jr: "O insuportável não é só a dor, mas a falta de sentido da dor, mais ainda, a dor da falta de sentido".
Assim ele continua sua argumentação:
"Como entender que um pai e uma madrasta possam ter ferido, estrangulado e atirado uma menininha de 5 anos pela janela? Como entender a cara sólida e cínica que eles ostentam para fingir inocência? Como não demonstram sentimento de culpa algum? Ninguém berra? Ninguém chora?
Como podem querer viver depois disso? Como essa família toda - pais, mães, irmãos - se une na ocultação de um crime? Como o avô pôde dizer com a maior cara-de-pau que, "se meu filho fosse culpado, eu o denunciaria"? Que quer esta gente? Preservar o bom nome da família? Mas, são parentes ou cúmplices?
Como podem os advogados de defesa posar de gravata, terninho e cara limpa, falando de uma "terceira pessoa"? Sei que eles responderiam: "todos tem direito de defesa...", mas como é que eles têm estômago?
A polícia deu um show de bola pericial no caso Isabella, mas dá para sentir que nossa estrutura penal está muito defasada, com este espantoso crescimento da barbárie. Como se pode tolerar que um sujeito que foi condenado na semana passada somente a 13 anos por ter esquartejado a namorada, alegando "legítima defesa", possa ficar em liberdade "até esgotar todos os recursos que a lei prevê" - como disse o STJ?
Como entender que aquele jornalista Pimenta Neves, que premeditou o assassinato da namorada com dois tiros pelas costas e na cabeça, condenado já há seis anos, esteja em liberdade ainda, na boa? E aquele garoto que matou pai e mãe nos Jardins de São Paulo e a família rica conseguiu esconder tudo?
As leis de execução penal têm de ser aceleradas, as punições têm de ser mais temíveis, mais violentas, mais rápidas. Há um crescimento da crueldade acima de qualquer codificação jurídica. Essa lentidão, esse arcaísmo da Justiça é visível não só nos chamados "crimes de classe média", como também na barbárie que galopa nas periferias.
O Elias Maluco - lembram, aquele que matou o Tim Lopes com golpes de espada? - estava em "liberdade condicional", pois a lei concede isso ao "cidadão". Que cidadão? O conceito de cidadania tem de ser revisto.
Cidadania é merecimento. Surgiu na miséria do país uma raça de subumanos, sub-bichos que todos os dias degolam, esquartejam, botam no "microondas", e são "cidadãos" - "tão ligados?" Qual será o nome dessa coisa informe que a miséria está gerando?
E´ uma mistura de lixo e sangue, uma nova língua de grunhidos, mais além da maldade, uma pura explosão de vingança. Não se trata mais de uma perversão do "humano", mas de uma perversão do "animal" em nós. "Ah... a lei é igual para todos...", dizem os juristas de terno brilhante e bochechas contentes. Sim, tudo bem. Mas há novas formas de crime que têm de ser estudadas e antigos direitos e penas têm de ser revistos.
Os pensadores da Justiça continuam a tratar os crimes como "desvios da norma", praticado por cidadãos iguais. Tem de acabar o tempo dos casuísmos, das leniências, das chicanas. Vivemos trancados num racionalismo impotente diante desse bucho indomável da miséria, do "alien" que se forma como um monstro boçal nas ruas e periferias. Com o congestionamento de fatos tragicamente insolúveis, no beco sem saída da sociedade, vejo se formar um desejo crescente pelo horror, pela crueldade, quase que uma fome de catástrofe.
Não falo dos analfabetos desvalidos e loucos, mas os assassinos de classe média já têm o prazer perverso de fazer o inominável. E esse casal de pedra, esses monstros? Será que vão se defender em liberdade, esgotando "todos os recursos da lei", como o esquartejador com "justa causa" ou o assassino daquela menina morta pelas costas, livre e solto? Serão condenados a dez aninhos com atenuantes e macetes?
Que acontecerá com eles, depois de estrangularem e jogarem a filha pela janela? A lei tem de ser mais temida, mas rápida, mais cruel. Esse vazio da Justiça explica o sucesso de filmes como "Tropa de Elite" e até fantasias de linchamento em todos nós. Vejam as portas da cadeia onde estavam os dois assassinos.
E, por fim, por que tantos crimes contra as crianças? O caso do João Hélio, crianças decapitadas na Febem, criança jogada em lagoa em Minas Gerais, crianças no lixão, aquela psicopata em Goiás, que contratava meninas pobres para torturar, e mais: pedofilia, espancamentos, tudo... As crianças são fontes inconscientes de terror, de Herodes a Édipo e Moisés.
O rei Agamenon matou sua filha Ifigênia para ter tempo bom em uma guerra. Que dizem os antropólogos dos rituais de matança de inocentes, como foi em nossa terra, Pedra Bonita, que ficou vermelha do sangue?
Em sociedades primitivas, o sacrifício de animais e o sangue de inocentes servem para afastar doença, prever o futuro, saciando o ódio dos deuses. Será que matam nessas crianças de hoje o horror a um futuro que não há mais?
Lamentamos uma harmonia ainda insistente e almejamos que ela seja alcançada. É tão inútil usar as palavras racionalmente, diante da brutalidade deste "outro país" do crime e da miséria, que caio em desânimo: que adianta ficar os últimos 17 anos escrevendo em nome da "razão"? E perguntamos, horrorizados: "Por que eles fizeram aquilo?" Resposta: "Por nada..." (JABOR, ARNALDO - Caso Isabella: a dor da falta de sentido - Colunista - opinião@otempo.com.br - 21/04/2008)
Para terminar um detalhe me chamou bastante atenção pela ironia nada feliz dos fatos. O pai no dia do crime vestia uma camisa com um símbolo peculiar nas costas. Um símbolo muito utilizado pela Nova Era (New Age), embora seja milenar O símbolo era do yin yang, que segundo a filosofia chinesa, além de outros significados é a representação do bem e do mal, sendo o princípio da dualidade, onde o bem não vive sem o mal e vice e versa. Infelizmente o que menos existiu naquela fatídica noite foi o equilíbrio entre o yin e o yang, tudo foi escuridão, maldade e frieza (yin) por parte daqueles que deveriam ser luz, acolhimento e bondade (yang). Tudo aquilo que representava a doce, pura, feliz, amável e bela menininha Isabella, um anjo que o Brasil aprendeu a amar em meio a dor, sofrimento e perplexidade.
Por fim um recado aos pais, madrastas ou padrastos, nossos filhos são os bens mais preciosos que se quer podemos avaliar. Portanto sejamos luz, acolhimento, ensinamento e bondade para com os nossos filhos, pois certamente eles nos retribuirão com um gesto singelo que comove qualquer coração verdadeiramente humano, um lindo e sincero sorriso de gratidão, como o da estrelinha Isabella.
Deus conforte o coração de todos,
principalmente o de sua mãe Carolina Oliveira.
Alex Campos de Souza, Sociólogo.