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Para sociólogo, só educação mudará cultura da violência

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O assassinato do estudante universitário Victor Hugo Deppman pelas mãos de um menor de idade, na última terça feira em São Paulo, levantou novamente o debate sobre a maioridade penal no país e o comércio de armas. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado na semana passada, mostra que a compra de armas pela população caiu cerca de 40% após o Estatuto do Desarmamento, de 2003. Outro levantamento, divulgado no começo do ano, o Mapa da Violência 2013, enfoca justamente a violência armada no país. Mostra, entretanto, que a taxa de homicídios por armas de fogo se manteve constante na última década após a entrada em vigor do mesmo Estatuto.

Segundo o coordenador do Mapa da Violência, o sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz, a grande redução na compra de novas armas de fogo não significa que o número de armas em circulação no país tenha diminuído na mesma grandeza. Sem campanhas eficazes de desarmamento da população, que se tornaram raras, esse estoque de armas continuará fazendo vítimas como o estudante de Rádio e TV.




ÉPOCA – O Ipea divulgou recentemente que o número de compra de armas por família caiu 40% após o estatuto entre 2003 e 2009. Entretanto, o Mapa da Violência deste ano mostra que o número de homicídios por armas de fogo se manteve constante desde 2003. O que aconteceu?

Júlio Jacobo Waiselfisz – O Ipea não afirma que o número de armas em mãos da população caiu, mas sim a venda de armas de fogo. O Estatuto do Desarmamento tornou mais rígido do que era, mas o plebiscito que eliminava a venda foi derrotado. Uma pesquisa feita em 2005 estima que tínhamos um estoque de 15,2 milhões de armas de fogo em mãos privadas, sendo que 8,5 milhões delas ilegais. É possível que, com as regras mais rígidas impostas pelo estatuto, o estoque de armas de fogo em mãos dos civis tenha parado de crescer. Tiveram as campanhas de desarmamento, mas nada indica que esse estoque caiu consideravelmente, apenas que desde então caiu a velocidade com que ele aumentava.


O sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz (Foto: Divulgação)

ÉPOCA – Menos armas em mãos da população produziram menos mortes, então?

Waiselfisz – Até o momento, a discussão parece muito um pitacômetro: de um lado, gente que defende o direito de se portar armas de fogo como forma de se proteger; e outra corrente dizendo que as armas de fogo favorecem que situações de conflito possam acabar em tragédia. Fizemos os cálculos: entre 1999 a 2003, ano da aprovação Estatuto, o número de mortes por armas de fogo no Brasil cresceu em média 6% ao ano. Em 2004, com aquelas campanhas e tudo mais, houve uma queda de quase 12%. Depois, esse número voltou a crescer e se estacionou na casa dos 39 mil.


ÉPOCA – O país é o 9º do mundo em taxas de homicídio por 100 mil habitantes.

Waiselfisz – Realmente, as estatísticas estacionaram na casa dos 39 mil mortos por ano, um número que se mantém constante e ainda é muito alto. O problema, como explicitamos no trabalho, é que precisamos enxergar mais o contexto em que essas armas de fogo são usadas. Existem outros fatores que concorrem para esse alto número de homicídios por arma de fogo que temos no país.

ÉPOCA – Quais são eles?

Waiselfisz – Em novembro de 2012, o Conselho Nacional do Ministério Público iniciou a campanha “Conte até dez”. Essa campanha é resultado de uma pesquisa em dezesseis Estados, onde foi mostrado que grande parte dessas mortes não é relacionada a crimes profissionais, ou seja, crimes relacionados com tráfico de drogas ou acerto de contas, mas sim cometidos por impulso e outros motivos fúteis, ciúmes, vingança pessoal, brigas domésticas e outras situações cotidianas. Em alguns Estados, esses crimes são ampla maioria. Isso mostra que o Brasil, assim como o resto da América Latina, é vítima de uma cultura da violência, que pensa que pode resolver conflitos exterminando o próximo. Esses crimes que se ‘aproveitam’ do enorme estoque de armas circulando pelo país e da facilidade em comprá-las.

Um outro elemento é a alta sensação de impunidade relacionada a homicídios. No ano passado, o Conselho Nacional do Ministério público divulgou os resultados de uma força-realizada para limpar o estoque de investigações de homicídios até o ano de 2007. Dos 134 mil inquéritos analizados, apenas 6% resultaram em uma denúncia.

ÉPOCA – A campanha pelo desarmamento não foi suficiente, então?

Waiselfisz – Foi necessária, colaborou para estabilizar uma espiral de violência. Mas não foi suficiente. Primeiro porque, depois de 2004, o tema sumiu do debate nacional. As campanhas posteriores de desarmamento foram muito menores, atraíram muito menos atenção. Segundo, porque o país ainda não tem um plano de combate à violência em escala nacional. O que se viu, desde o Plano Nacional de Segurança e o Fundo Nacional de Segurança Pública no começo dos anos 2000, foram convênios pontuais com Estados onde a violência aumenta esporadicamente. Faltam políticas de abrangência nacional, uma cobrança sistemática de números sobre o tema, o número de armas apreendidas a cada ano. Enquanto o governo federal faz um convênio com este ou aquele Estado, a criminalidade no Brasil age nacionalmente.


ÉPOCA – O Mapa da Violência mostra que algumas regiões conseguiram controlar os índices de homicídios. Em outras, esse número explodiu.

Waiselfisz – Sim. A violência, que antes estava concentrada em algumas microrregiões do país, agora está bastante disseminada. O primeiro fator que corroborou para isso é a desconcentração do desenvolvimento econômico, que saiu de poucas capitais para o interior dos Estados e também para Estados que estavam marginais. Essa concentração de fluxos de capitais e atração migratória também ajudava a concentrar geograficamente os índices de violência. Segundo, a partir da virada do século, os Estados mais acostumados a lidar com essa violência começaram a trabalhar para diminuir esses índices, contratar e treinar sua polícia, equipá-la melhor, trabalhar por eficiência. Com mais repressão, a bandidagem voltou suas atenções para aquelas áreas que começavam a prosperar, mas cujo aparato policial ainda era ineficiente, sem condições de enfrentamento. A lógica da criminalidade é como a de uma epidemia, se barra em um lugar ela procura outro mais fácil.

ÉPOCA – O que precisa ser feito?

Waiselfisz – Temos que continuar a campanha, diminuir esse enorme número de armas em circulação no país, dificultar o contrabando. Mas também é preciso combater essa cultura da violência. Existem pesquisas que mostram um incremento enorme de homicídios na residência da vítima, ou seja, são crimes cometidos em situações cotidianas. Não dá para colocar um policial em cada esquina, em cada boteco, em cada casa. Temos que combater esse hábito, e isso se faz principalmente com educação.

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