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A moda do politicamente correto nasceu nos
Estados Unidos, país que vive sob o estigma do preconceito desde o nascimento.
A ideia era justamente a de combater a discriminação supostamente implícita em
denominações como ''negro'' ou ''gordo''. Mas o que era apenas uma sadia reação
ao preconceito acabou por transformar-se em algo igualmente racista, e em
determinados momentos até caricatural.
A onda do politicamente correto, que entrou
forte no Brasil em meados dos anos 1990, já quase não permite mais que qualquer
pessoa se refira a alguém que está acima do peso como ''gordo''. Por sinal, a
situação inclusive criou um empecilho linguístico: fica difícil se referir a
quem não é gordo, ou a alguém que não tem uma deficiência, por exemplo, sem ser
preconceituoso: ''Várias vezes conversei com pessoas que se referiam
corretamente a mim como uma pessoa com deficiência. Mas quando elas iriam falar
a respeito de alguém que não tem um problema, diziam que aquela pessoa era
'normal'. Ora, eu não sou normal?'', pergunta a presidente do Conselho
Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Martinha Clarete Dutra, que é
cega.
''As expressões politicamente corretas não
passam de um mero desvio de linguagem'', explica o livre-docente em Letras pela
Universidade Estadual de Londrina (UEL), Joaquim Carvalho da Silva. ''Um
eufemismo, uma tentativa de abrandar expressões que aparentemente são muito
duras'', completa. O hábito, ainda segundo o professor, é mais
comum em países de grande miscigenação. O combate à discriminação contra
negros, por exemplo, foi um dos precursores da onda do politicamente correto
nos Estados Unidos, justamente para se evitar o uso da palavra ''negro'' como
ofensa. ''Analisados a fundo, chamar uma pessoa de negra ou afro-descendente é
somente uma questão de convenção'', afirma o professor. ''É, também, uma questão de costumes. Quem
visita a Europa, por exemplo, acha que o povo de lá é mal-educado justamente
pelo fato de que eles não rodeiam para falar o que pensam. Por outro lado, o
brasileiro tem o hábito de não gostar de ouvir as coisas como elas realmente
são'', continua.
Em caso semelhante encaixam-se as referências
usadas para os idosos. ''Velho'' é uma palavra quase abominada pela turma do
politicamente correto. ''Idoso'' ou ''pessoa de terceira idade'' soa melhor,
segundo eles. ''O politicamente correto esquece, no entanto, de delimitar as
idades restantes. Quem é da primeira ou da segunda idade? E, por fim, qual a
diferença entre velho e idoso?'', questiona Silva. O abuso do uso indiscriminado desta “nova
onda”, inflamada por patrulheiros de plantão, onde quase tudo é “bullying” ou homofobia, chegou até mesmo em cantigas
infantis: Há algumas décadas, "Atirei o Pau no Gato" figurava entre
as músicas preferidas das crianças. Mas os tempos mudaram e a consciência em
relação à violência expressada pela canção acabou exigindo uma nova letra:
"não atirei o pau no gato, porque isso não se faz. O gatinho é bonzinho e
devemos proteger os animais".
Para a terapeuta infantil e psicopedagoga Denise Dias, autora do livro
"Tapa na Bunda", da Editora Matrix, o cuidado com relação ao
repertório de músicas que as crianças ouvem deveria ser outro. "Uma coisa
é cantar 'Atirei o Pau no Gato', que tem a ver com o nosso folclore. Outra é
cantar e dançar o 'rebolation'", afirma.
Atualmente, há duas correntes opostas sobre o que é adequado quando se
trata de brincadeiras infantis, segundo a coordenadora do curso de
pós-graduação em psicopedagogia da Fig-Unimesp (Faculdade Integrada de
Guarulhos-Centro Universitário Metropolitano de São Paulo), psicóloga e
psicopedagoga Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira. "Há uma linha de pensamento que defende o 'brincar politicamente
correto', com brinquedos certinhos, perfeitos, que farão da criança um cidadão
de acordo com padrões estabelecidos pela sociedade", salienta a
especialista, que completa. "Já a outra linha defende que se a criança
tiver acesso somente àquilo considerado perfeito pela sociedade, não terá
liberdade para ser ela mesma".
Para Sirlândia, o
momento de ser politicamente correto é aquele em que é necessário preservar a
criança para que ela não tenha acesso a falsas informações. "Mas não dá
para colorir o mundo. O incorreto pode ser mostrado para que elas aprendam a
diferença entre certo e errado", analisa. É exatamente neste ponto que
essa “nova onda” se perde, o certo e o errado é questão de escolha, de
discernimento próprio e cultural.
Em Gênesis (primeiro
texto bíblico), por exemplo, Noé certa vez, após o dilúvio, se embriagou e
ficou nú. Seu filho Cam presenciando a cena, correu para contar aos outros dois
irmãos o acontecido. Estes prontamente acudiram o pai, cobrindo-o com suas
vestes, sem sequer ousar ver “as vergonhas” do pai. Recobrindo sua sobriedade e
sabendo dos fatos, Noé sem titubear, amaldiçoou toda a descendência de Cam (pai dos cananeus que deu origem a cidade de Canaã) por ele ter visto e contado aos irmãos seu pecado. Aos olhos de hoje simplesmente um absurdo a atitude desse pai. Cruel e inflexível, pois que mal fez Cam em ver o pai nú e bêbado e delata-lo aos seus irmãos sem ao menos ajudar o pai antes disso. Politicamente incorreta a atitude de Noé, não é mesmo? Ao contrário,
politicamente correto hoje, é o pai nunca corrigir seu filho veementemente sem maiores explicações. Correto hoje é conversar e nunca
bater. Não é verdade? E o quanto melhoramos como sociedade e contribuímos para a diminuição da violência sendo politicamente corretos? De fato uma coisa é certa, os extremos e os pólos em qualquer
discussão ou ação são temerários e encontrar o ponto de equilíbrio desta nova onda se
faz urgente.
A decadência da
moral, não pode ser combatida com falsos moralismos radicalizantes, nem pela
árdua defesa de minorias, quanto pela manutenção do “status quo” da maioria. Um
debate amplo deve ser firmado, buscando os limites de cada visão do meu e do
seu mundo “politicamente correto”, lembrando que as normativas preestabelecidas
devem ser cumpridas antes de serem mudadas ou repactuadas. No caso da
homofobia, por exemplo, existe uma constituição a ser cumprida. Uma união homo
afetiva não poderá ser celebrada em um templo religioso, se os preceitos
religiosos de determinada denominação abominam tal fato, ou seja, o direito de
liberdade de culto, também é garantido pela constituição. Da mesma forma se um
pastor fora do culto, espalhar pela mídia noções bíblicas deturpadas e
preconceituosas, está no mínimo excedendo sua liberdade de expressão, ou
ferindo criminalmente um determinado grupo de indivíduos.
Por fim há que se
repensar esta nova onda ressignificando o que de fato é e não é politicamente
correto, a começar pelo próprio termo, tempo e lugar. Principalmente se
analisarmos que no Brasil a maioria dos políticos não são corretos e a moral
brasileira e seu velho e conhecido “jeitinho brasileiro” é pouco ético.
Alex Campos de Souza
Sociólogo - Mestre em Políticas Sociais
Alex Campos de Souza
Sociólogo - Mestre em Políticas Sociais