O Brasil nunca esteve tão próximo de criar uma moeda digital própria. A aprovação do open banking, o lançamento do meio de pagamentos instantâneos Pix e a expansão das sociedades de crédito direto colocam o país na linha de frente das discussões sobre o futuro do dinheiro. Um futuro digital, sem TED ou DOCs, agências ou caixas eletrônicos.
As movimentações recentes do Banco Central do país, em linha com o que está sendo feito na China, Europa, Estados Unidos e Canadá, abrem caminho para um mercado mais competitivo e de preços mais baixos aos consumidores. A oportunidade também altera o papel que os bancos tiveram em toda sua história, como intermediário das transações financeiras. Foram criados como depositários no século 15, mas agora caminham para ser fornecedores de soluções digitais no século 21. É hora de aceleramos essas transformações. Porque todo mundo tem a ganhar.
Vamos começar por você leitor, como consumidor. Se nós temos contas em bancos diferentes, há apenas duas formas de enviarmos dinheiro um para o outro: fazendo um TED ou um DOC. Nenhum deles funciona em tempo real. O TED promete no mesmo dia. O DOC, no próximo dia útil. Para qualquer um deles, pagaremos uma taxa. Os dois funcionam com horário máximo para a transferência. Nenhum funciona aos finais de semana.
Com o Pix, esse cenário muda: o sistema do BC é acessível 24 horas, 7 dias por semana, todos os dias do ano, e é praticamente gratuito ao consumidor final. Quase em tempo real será possível enviar dinheiro para outra pessoa ou empresa. Basta ter uma conta em uma instituição financeira: seja um grande banco ou uma fintech com mais de 500 mil contas ativas. Se você é como eu e odeia preencher os dados de transferência (CPF, agência e conta corrente), o Pix também promete a opção do QR Code. É tirar a fotinho do código e pronto. Transferido. ✔️
É o primeiro passo para a criação de uma moeda digital para chamar de nossa. Os bancos centrais em todo o mundo aceleraram o ritmo com que buscam emitir uma forma digital da moeda fiduciária, chamadas de CBDC (Central Banking Digital Currency). Em vez de imprimir notas de papel e cunhar moedas, um processo que no Brasil começa na Casa da Moeda, passa pelo BC, pela rede de custódia, por bancos comerciais, até chegar ao público, os bancos centrais emitirão tokens eletrônicos. Você terá seu dinheiro, sem precisar sacar nada e poderá transferi-lo sem pagar o valor de um TED ou DOC.
Um estudo da consultoria Roland Berger calcula que o fim das taxas sobre transferências vai custar aos grandes bancos e às empresas de adquirência (as famosas maquininhas) de 18% a 63% de suas receitas —13 bilhões de reais por ano. Pensar não mais como um intermediário, mas como um agente de bons serviços digitais é fundamental, portanto.
Com o Pix, o Brasil foi incluído entre os países à frente nas iniciativas de CBDC por pesquisadores do Belfer Center, da Universidade de Harvard. Temos grande potencial —não à toa o WhatsApp nos escolheu para testar seu sistema de pagamentos, em uma movimentação que ocorre em paralelo ao Pix e na qual o BC está de olho para evitar vantagens excessivas para uma única empresa.
Na China, que foi pioneira ao lançar sua própria moeda digital, o CBDC já está em circulação e a tradicional escadinha de emissão de moeda começa a ser eliminada (ver gráfico). O país, contudo, se beneficia de um mercado de pagamentos que se digitalizou nos últimos anos, onde aplicativos gigantes como AliPay e WeChat ajudaram os chineses a aderir ao QR Code. Lá, a sociedade já vinha num processo de mudanças de hábitos: viver sem cartão de crédito ou notas de dinheiro.
Nesse sentido, talvez a pandemia mude nosso cenário por aqui. A crise obrigou empresas a acelerarem a transformação digital, bancos a revisitar seu negócio de agências e levou para a TV de milhões de brasileiros o QR Code nas lives musicais e nas propagandas. Até restaurante está deixando de usar cartão para receber pelo serviço com QR Code ou direto pelo celular. Sem entregador levando maquininha.
A digitalização ampla parece ter ganhado força no país e é o momento do Brasil abraçá-la de vez. Não dá para ficar preso a novas notas de R$ 200, enquanto a China está correndo para eliminar todas as cédulas. Ao fornecer novas experiências ao público, abrir espaço para fintechs, bancos pequenos e transferências peer-to-peer, começamos a criar um sistema competitivo e mais descentralizado.
Em uma palestra recente, o diretor de organização do sistema financeiro e resolução do Banco Central (BC), João Manoel Pinho de Mello, disse que o Pix e o open banking vão fomentar um sistema mais aberto, que deve, inclusive, contribuir para que a atual crise não aumente a concentração bancária. Quase mil instituições financeiras do país se inscreveram para aderir a esses serviços, segundo Mello.
Os bancos que continuarem cultivando seu legado, em uma estratégia defensiva e de bloqueio à inovação digital, vão perder essa onda. Como sempre digo: o tsunami uma hora chega. Não dá mais para se segurar apenas como guardião do dinheiro físico porque o futuro do dinheiro já está eliminando essa necessidade. Não dá mais para pedir ao gerente liberar toda hora seu limite. As tecnologias também já estão garantindo a segurança da identidade da transação. O banco não precisa checar mais isso.
No futuro que visualizo para 2025, os intermediários —do dinheiro, do nosso trabalho, das nossas relações, não têm vez. Mas veja pelo lado bom: as regras estão mais claras, a CVM já trabalhou a regulação para uso do blockchain, o Pix pode tirar o "peso" de muitas transações e os bancos poderão focar em investir na melhor tecnologia para oferecer as melhores experiências possíveis. Longe dos caixas. Pode anotar aí: em cinco anos, viveremos um mercado financeiro completamente diferente.